segunda-feira, julho 07, 2003


"A natureza dos gatos parece fundamentar-se no princípio de que nunca é ruim pedir o que se deseja."
Joseph Wood Krutch




FOTO


Os gatos da tinturaria
Cecília Meireles





Os gatos brancos, descoloridos,
passeiam pela tinturaria,
miram polícromos vestidos.
Com soberana melancolia,
brota nos seus olhos erguidos
o arco-íris, resumo do dia,

ressuscitando dos seus olvidos,
onde apagado cada um jazia,
abstratos lumes sucumbidos.

No vasto chão da tinturaria,
xadrez sem fim, por onde os ruídos
atropelam a geometria,

os grandes gatos abrem compridos
bocejos, na dispersão vazia
da voz feita para gemidos.

E assim proclamam a monarquia
da renúncia, e, tranqüilos vencidos,
dormem seu tempo de agonia.

Olham ainda para os vestidos,
mas baixam a pálpebra fria.



Soneto do gato morto
Vinícius de Moraes


Um gato vivo é qualquer coisa linda
Nada existe com mais serenidade
Mesmo parado ele caminha ainda
As selvas sinuosas da saudade


De haver sido feroz. À sua vinda
Altas correntes de eletricidade
Rompem do ar as lâminas em cinza
Numa silenciosa tempestade.
...





Ode ao gato
Pablo Neruda


Os animais foram
imperfeitos,
compridos de rabo, tristes
de cabeça.
Pouco a pouco se foram
compondo,
fazendo-se paisagem,
adquirindo pintas, graça, vôo.
O gato,
só o gato
apareceu completo
e orgulhoso:
nasceu completamente terminado,
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro
a serpente quisera ter asas,
o cachorro é um leão desorientado,
o engenheiro quer ser poeta,
a mosca estuda para andorinha,
o poeta trata de imitar a mosca,
mas o gato
quer ser só gato
e todo gato é gato
do bigode ao rabo,
...

Os seus olhos amarelos
deixaram uma só
ranhura
para jogara as moedas da noite
Oh pequeno
imperador sem orbe,
conquistador sem pátria



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