quarta-feira, março 17, 2004

29.02.04 – Domingo – O Relógio q Pára (informa a Hora Certa pelo menos 2 vezes ao dia.)

Parte I

Meu avô liga aqui pra casa. Eu ainda com cara d sono d sábado. Acho q eu e minha mãe atendemos na mesma hora. Eu fiquei na extensão, sabia q não tinha problema d ouvir o q fosse dito.

Ligaram pra casa dos meus avós e disseram q o estado da minha avó estava pior. Não precisavam q nós levássemos mais nada pra eles além da carteira d identidade.

Como q uma pessoa cujo corpo já nào funciona sozinha há 2 dias pode piorar? Exato, exato... era quase certa a morte da minha avó.

Cara d funeral? Não... tinha uma coisa bem mais bonita pra pôr hoje. Vesti-me toda d branco. O astral estava bom. Nem sentia q precisava d mt força pra atravessar o dia hoje. Só o q estava me fazendo falta era a noite q eu não dormi! Ulalá... q droga!! Isso sim era chato... sabe-se se lá quais seriam as condições do dia e o q eu teria q fazer ainda e essa noite sem dormir só me retardaria ainda mais o raciocínio e diminuiria meu campo d visão em qualquer lugar q tivesse mt luz. “Minha mãe... levava o coração na minha mão sempre q precisava mas, ainda sim, era ela q levava”.

Meu avô e meu tio chegaram aqui em Seropédica. Erika estava preocupada com todo mundo. Brilhante a mais nova integrante da nossa família. Agradeci e agradeço mt a ela por todo esse tempo q ela tem passado aqui em casa pois ajuda o meu astral a ficar mais em cima, mais em cima... subindo...

A jornada até o Lins, onde fica o Hospital Naval Marcílio Dias (HNMD), pelo q me lembro, foi calada, ao contrário da hora da volta da primeira visita q meu avô fez à minha avó (na sexta).

Ao chegarmos no hospital ainda rolou o maior suspense! Demoraram pra vir falar pra gente como estava minha avó. Meu avô resolveu entrar na UPG (unidade de Pacientes Graves, correspondente a CTI) pra buscar informação. Eu, meu tio, minha mãe e ele estávamos esperando todo aquele tempo. Meu avô volta, transtornado, e chama só minha Mãe. Até então ele ainda não sabia d nada.

Sim. Minha avó morreu.

Nós todos da família entramos e ficamos esperando numa salinha, ainda sem qualquer informação correta ou encaminhamento até tal salinha mas... com certeza ninguém brigaria com a gente depois d termos essa “boa desculpa” como um belo ingresso pra hospital para fazermos até escândalo, se tivéssemos vontade (e tiveram... pior: fizeram!)

Depois veio um médico lindinho (super baixinho, pouco maior q minha irmã se não do tamanho dela) dar todas as informações sobre o falecimento. Eu não estava com vontade d chorar. Estava com vontade d rir mas não achava nada engraçado. Voltei a fazer uso daquelas palavras “minha avó está feliz, minha avó está feliz” e assim superava o rosto enrijecido do meu tio, o choroso da minha mãe e o transtornado do meu avô.

Meu avô pensou q tinha feito um seguro especial tal pela marinha pra família toda mas só tinha feito pra ele, na verdade. Só q, pra resolver qualquer coisa relacionado a documentos, precisaria do contracheque do meu avô q não estava com ele. Isso já foi gerando uma preocupação saudável... Meu tio se desafogou daquela sintonia fúnebre e começou a raciocinar e raciocinar e querer resolver tudo e documento era com ele mesmo q seria resolvido, e ele já tinha em mente como seria e tal e tal...
Assim, meu tio ou meu avô (não lembro mas acho q foi meu tio) sai da sala. Nesse intervalo, o cara q ficou me olhando desde a primeira visita q fui fazer a minha avó, na sexta (e perguntou se eu queria um copo com água pois ele estava vendo q eu estava mt vermelha), vem falar comigo novamente pois eu estava na porta. Perguntou como é q estava o paciente q eu visitava. Eu já senti vontade d rir d novo (já estava meio nervosa mas tb comecei a achar o interesse dele engraçado). Respondi “minha avó morreu” mas ele não ouviu. Falei d novo, ele entendeu errado. Falei d novo, mais baixo ainda porque estava com medo d alguém trata-lo mal, mas ele entendeu errado outra vez! Então minha mãe olhou pra ele e falou “minha mãe morreu” num tom d voz audível. Ele fez uma cara d espanto... se desculpou...pensei q depois disso ele fosse embora. Mas não. Ele entrou na salinha onde estávamos, foi sentando e falando sobre os documentos. Então chegamos ao ponto crucial sobre meu avô estar sem contracheque e ainda não tínhamos certeza c minha avó não tinha mesmo direito ao tal seguro especial. Ele falou para nós esperarmos e foi ver melhor sobre essa história. Nisso, meu tio volta e fica querendo ir embora mas então contamos do cara q veio nos dar um auxílio. Meu tio lembra q foi o q falou comigo sexta e me pergunta, como quem quer ter certeza. Eu me senti numa situação meio embaraçosa. Outra vontade d rir controlada... respondo “é”, fazendo cara d “nada”. O cara volta e fala q não teremos maiores problemas quanto a falta do contracheque para resolvermos a tirada do atestado d óbito e nós partimos mais confiantes quanto a não estar gastando gasolina a toa.
Todos o agradecem. Eu sou a última e ele me deu uma Olhada e um Sorriso até bonito... putz! Ri escondido... q situação embaraçosa! Mas não foi a única... depois vcs vão ver...

Então, só ficaríamos com o plano simples da marinha q era uma quantia “x” pra financiar o enterro. Nós teríamos q cuidar do corpo. Nós quem?

Essa parte da história é forte: eu e minha mãe éramos o “nós”. Eu não estava feliz. E nem pensava, só me botava na jogada porque eu tinha certeza q não deixaria minha mãe sozinha nessa hora.

Ainda ficamos ouvindo o meu tio e o meu avô o tempo todo falando “vcs não precisam ir a lugar algum”, “fica aí, fica aqui...”. Teve uma hora q minha Mãe deu Aquela “estressadinha calma” dela e usou aquele tom d voz q eu AdorO (quando é com os outros) e disse algo parecido com “Eu faço... o q eu quiser... A Mãe tb é minha e ninguém tem o direito d tirar a mim ou a minha filha da jogada”. Ulalá... perfeito. Eu tb falei algo assim “eu sei mt bem onde quero estar e não vejo lugar nenhum q não possa ir”. Ótimo. Ninguém tirou a gente d lugar nenhum PRINCIPALMENTE depois q ficou claro q eu e minha mãe teríamos realmente q vestir o corpo da minha avó.

Primeiro fomos num lugar q eu não me lembro onde, sei q era uma parte da Marinha q fica perto do porto (depois eu ponho o nome certinho), pra pegar o atestado (é assim q se fala?) d óbito. Demorou um pouquinho mas nem tanto (Depois daqui é q ficou claro q nós vestiríamos minha avó).

Depois voltamos para o HNMD e ficamos esperando o carro da Santa Casa chegar pra buscar o corpo. Só poderíamos arrumar minha avó depois q eles chegassem. Demoraram 4h. Esperamos 4h! Eu esperei 4h! Esperamos TODOS 4h... putz!

Do “nosso” carro chegar, chegou outro pra buscar outra pessoa. Assim, eu e minha mãe tentamos entrar pra já ir adiantando e arrumando a minha avó logo pra quando o carro chegasse fosse só ir embora. Mas não pudemos porque o regulamento dizia q tal procedimento só poderia ser realizado após a chegada do carro.

Sendo assim, perguntamos se uma mulher encarregada não poderia, pelo menos, ver se minha avó já estava no necrotério. Foi quando entramos e vimos a mulher conferindo. Eu vi 4 gavetas...Eu entrei no necrotério e vi 4 gavetas fechadas. Aquela cena filme nenhum alcança!
Enquanto sua mão chegava no papel pra conferir se era minha avó mesmo q estava lá, eu achei q ela abriria a gaveta e veio um impacto no peito e em minha cabeça passou “Agora não!“ e eu vi q ainda Não estava preparada. Era bom o carro ainda Não ter chegado, pensei. Tive tempo suficiente pra trabalhar essa idéia. Eu só tinha uma Velha opção q fazia tudo dar certo: ter q dar certo!

Quando o carro da funerária chegou, vieram 2 pessoas. Até então pensamos q os 2 estivessem acostumados com o serviço mas não era bem assim. Entramos novamente no necrotério. A mulher q trabalha nessa parte (mas acho q apesar d ser d uma empresa privada resolveu nos ajudar) abriu a gaveta.
Aquele saco preto com o corpo dentro me fez Pensar “o Saco é igual ao dos filmes mas o corpo balançar dessa forma mórbida ninguém reproduziu ainda”.

Minha mãe chorava d forma contida. Eu ficava dizendo q ela estava sendo forte e o quanto eu a amava. O rosto da minha avó mt estranho. Aqueles algodões na boca, nos ouvidos no nariz... a posição do corpo.... tudo, tudo era estranho e novo. Enveredei por aquela velha linha d raciocínio: entrei no mundo de mais outros milhões d pessoas! Não poderia perder essa experiência... tinha q trabalhar essa idéia em mim. Porque eu estava começando a me impressionar? E a convicção dos meus conceitos sobre corpo e espírito? E fui lapidando a sensação da garota impressionada q entrou naquele lugar e saí d lá bem restaurada... Jamais conseguiríamos vestir a minha avó sem a ajuda daquela mulher! O corpo é mt pesado... Mas continuou sendo horrível ter q forçar aquele corpo gelado e rígido, ouvir os ossos estalando, paa q se tornasse possível a roupa da minha avo entrar nela!
Queria ter tido oportunidade d pegar o vestido preferido dela, algo pra ela calçar e sua dentadura... ela jamais deixou meu avô vê-la sem dentadura... mas não foi possível.

Minha mãe penteou o cabelo da minha avó. Q rostinho triste o dela voltei a olhar. Eu tive q parar d olhar pra minha Mãe durante esse tempo porque eu estava me trabalhando... como poderia passar apoio se enfraquecesse? O dia ainda faltava MUITO MUIITO MUITO pra acabar... E eu já estava começando a querer sentir o q minha Mãe sentia... como se fosse uma doença contagiosa aquela tristeza e eu precisava tomar o remédio q me permitiria ficar imune a isso. Saí d lá outra pessoa quase. Ainda amava todos q amava e tinha muitos ideais mas tinha superado um ponto alto pois já olhava mais tranqüila pra minha avó. Temia pelo meu tio e meu avô. Não queria q eles a vissem d jeito nenhum!!

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