Velha história
Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho. Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no “17 ”!O homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando o peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial...Ora, um dia o homem e o peixinho pesseavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho...
"Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo aos carinhos do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não, e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..."
Dito isto, verteu coipioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho nágua. E a água fez um redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado...
Mário Quintana
Su: Como pode essa última frase mudar tanto a história? Simplesmente lindo! Sensibilidade de inquietar a consciência! Quero um dia fazer algo assim! A genialidade existe ou é um acidente de percurso pelo qual finge-se ser responsável
Era uma vez um homem que estava pescando, Maria. Até que apanhou um peixinho. Mas o peixinho era tão pequenininho e inocente, e tinha um azulado tão indescritível nas escamas, que o homem ficou com pena. E retirou cuidadosamente o anzol e pincelou com iodo a garganta do coitadinho. Depois guardou-o no bolso traseiro das calças, para que o animalzinho sarasse no quente. E desde então ficaram inseparáveis. Aonde o homem ia, o peixinho o acompanhava, a trote, que nem um cachorrinho. Pelas calçadas. Pelos elevadores. Pelos cafés. Como era tocante vê-los no “17 ”!O homem, grave, de preto, com uma das mãos segurando a xícara de fumegante moca, com a outra lendo o jornal, com a outra fumando, com a outra cuidando o peixinho, enquanto este, silencioso e levemente melancólico, tomava laranjada por um canudinho especial...Ora, um dia o homem e o peixinho pesseavam à margem do rio onde o segundo dos dois fora pescado. E eis que os olhos do primeiro se encheram de lágrimas. E disse o homem ao peixinho...
"Não, não me assiste o direito de te guardar comigo. Por que roubar-te por mais tempo aos carinhos do teu pai, da tua mãe, dos teus irmãozinhos, da tua tia solteira? Não, não, e não! Volta para o seio da tua família. E viva eu cá na terra sempre triste!..."
Dito isto, verteu coipioso pranto e, desviando o rosto, atirou o peixinho nágua. E a água fez um redemoinho, que foi depois serenando, serenando... até que o peixinho morreu afogado...
Mário Quintana
Su: Como pode essa última frase mudar tanto a história? Simplesmente lindo! Sensibilidade de inquietar a consciência! Quero um dia fazer algo assim! A genialidade existe ou é um acidente de percurso pelo qual finge-se ser responsável
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