sexta-feira, setembro 30, 2011

Frágeis nunca seremos impotentes.

Texto da Patrícia Kogut, da Revista da TV, do Jornal O Globo



Carta do prof. Luis Antônio Baptista, da UFF, à colunista.



Patrícia,



Gostaria de parabenizá-la pelas críticas a este "fenômeno dourado" na TV. Não sou fã do BBB, não torço por ninguém, mas não consegui ficar indiferente às imagens violentas e ao texto sobre a AIDS reproduzidos pelo candidato favorito do público. Discordo veementemente da análise do psicanalista citado na sua coluna. O participante encarna a virulência, a virilidade e a sagacidade dos vencedores. Essas são qualidades desejadas pelo mercado que não suporta a fragilidade do humano. Esse mercado que vende formas nunca repetidas de uma almejada potência ao consumidor.
O mundo insuportável em que vivemos confunde estrategicamente fragilidade com impotência. No consumo paranóico de forças para sermos o vencedor, o outro é o aliado para a realização do "meu projeto", um possível estorvo ou algo que precisa ser aniquilado. O corpo tenso do candidato, exibindo o desejo de espancar a candidata eliminada do programa, não é restrito a ele, não restringe-se a uma característica pessoal. A imagem que eu vi, apresenta-nos a encarnação da vida fascista. Na tela, presenciamos o corpo de inúmeros assassinos de mulheres, de matadores de homens que desejam homens, da truculência policial, etc. A vida fascista é despossuída de um autor específico, de um povo ou de uma época. É uma modalidade de se viver que não tolera o frágil inacabamento do humano, reduzindo as diferenças a qualidades de tribos.
Já a constatação da fragilidade humana nos oferece a curiosidade pela alteridade, pela diferença entendida como possibilidade de contagiar e, consequentemente, de nos incitar a descobrir outros sentidos para o mundo e para as nossas vidas. Trata-se de uma conclusão, às vezes sofrida, de que a grandeza onipotente do eu ou do corpo são cínicos impostores, uma vez que somos feitos de encontros, de laços, de conexões nunca finalizadas de histórias e pela história. Frágeis, nunca seremos impotentes.
Enfim, o candidato acabou por reeditar a "peste gay" dos anos oitenta, que delegava aos homens que desejam homens a culpa pela AIDS. Essa culpa que matou muita gente e ainda o faz veladamente. O corpo dourado misturou o brilho contemporâneo do mundo das celebridades às sinistras sombras do passado. A suástica inscrita nesse corpo é uma ameaça à vida, à esta força criadora que produz desassossego e atrai nossa atenção para além de nossos próprios umbigos. Fora vida fascista .



Luis Antonio Baptista


Fonte: http://politicamente-in-correto.blogspot.com/2010/03/o-collor-do-bbb10.html

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