A Ocupação Aldeia Maracanã é inclusive uma associação legal
"No ano de 2006, um grupo de indígenas, de várias etnias, resolveu
assumir o espaço que lhes eram de direito e ocuparam o prédio com o
propósito de fazer dali um Centro de Referência
da Cultura Indígena, além de abrigo para os “parentes” de diversas
etnias que chegam a cidade. (...) Os indígenas reivindicam o lugar para
que se converta na primeira Universidade Indígena, um centro de educação
para o ensino da história, cultura e conhecimentos ancestrais.
Na ocupação, batizada de “Aldeia Maracanã”, cultivam verduras e frutas em uma pequena horta e cozinham em um forno a lenha.
(...) Um dos projetos que chama a atenção de quem visita a Aldeia é a
proposta de mapear e se aprofundar na pesquisa das origens históricas de
cada comunidade.
(...) Segundo Conhaque, 37 etnias construíram
a Associação Indígena da Aldeia Maracanã no antigo museu. Os
integrantes dessa entidade criaram esse status jurídico para que eles
pudessem negociar com o governo a posse do local para os indígenas."
Fonte: http://www.virusplanetario.net/aldeia-maracana-memoria-luta-e-resistencia-indigena/
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Matéria na íntegra:
Aldeia Maracanã: Memória, Luta e Resistência Indígena
Por Aline Rochedo e Chico Motta
Infelizmente,
a dinâmica a que se refere à demarcação de diferenças ao longo dos
processos históricos -apropriada pelo colonialismo, por regimes
autoritários e pelo capitalismo na sociedade contemporânea- continua
sendo exercida sob uma falsa ideia de democracia. Tal diferença reforça
as múltiplas desigualdades na sociedade, deslegitima os movimentos
sociais, e colabora para que nossa memória seja negligenciada.
Nos dias atuais, há ainda quem se comporte como os desbravadores do
século XVI associando o domínio de uma cultura sobre outra a um processo
legítimo e natural. Preconceituoso e cerceador, o termo civilizar ainda
é utilizado repetidamente ao se referir aos índios, muitas vezes
justificando ações truculentas e ilegítimas como a demolição do antigo
prédio de Memória Indígena da Aldeia Maracanã.
No local, pretende-se construir um estacionamento e, mais uma vez, as
autoridades governamentais priorizam interesses das grandes corporações,
o transporte individual mais poluente e elitizado, e atropela-se parte
importante da nossa História e nosso senso de coletividade.
Ressaltam que se trata de revitalizar o “Maracanã”, palavra
ironicamente de origem tupi, como se demolir um edifício histórico mais
antigo que o próprio estádio fosse essencial ao projeto. Falácia
deslavada, desmentida pela FIFA e por diversos pareceres técnicos.
A Narrativa dos fatos
O casarão de 150 anos pertenceu a Duque de Saxe, que o do
ou para que o governo federal a transformasse em Centro de Pesquisa
sobre a cultura indígena. O lugar já foi sede da Escola Nacional de
Agricultura e também sediou o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI).
O prédio não ficou muito tempo sendo utilizado para preservar e
difundir a cultura indígena. Em 1977 o museu foi transferido para o
bairro de Botafogo e o prédio da Aldeia Maracanã passou para as mãos da
Companhia Nacional de Abastecimento, que durante anos abandonou o
casarão e o deixou praticamente em ruínas.
O lugar, considerado histórico e sagrado pelos povos indígenas,
passou a ser ocupado por moradores de rua e usuários de drogas e seguiu
durante anos abandonado pelo poder público. No ano de 2006, um grupo de
indígenas, de várias etnias, resolveu assumir o espaço que lhes eram de
direito e ocuparam o prédio com o propósito de fazer dali um Centro de
Referência da Cultura Indígena, além de abrigo para os “parentes” de
diversas etnias que chegam a cidade. As autoridades do Rio de Janeiro
pretendem transformar o espaço simbólico e estratégico em um centro
comercial ou um anexo da secretaria de Esportes. Os indígenas
reivindicam o lugar para que se converta na primeira Universidade
Indígena, um centro de educação para o ensino da história, cultura e
conhecimentos ancestrais.
Na ocupação, batizada de “Aldeia Maracanã”, cultivam verduras e frutas
em uma pequena horta e cozinham em um forno a lenha. O lugar, além de
centro cultural, serve de abrigo temporário ou permanente para índios de
todo o país que chegam ao Rio de Janeiro para trabalhar, estudar e
participar de eventos.
Por uma Memória viva
Abandonado pelas autoridades em 1978, foi ocupado desde 2006 por representantes de diversas comunidades
indígenas, como Puris, Botocudos, Tapajós, Guajajara, pataxós,
tukanos, fulni-o e apurinãs, Potiguaras, Guarani, Kaingáng, Krikati,
Pankararu, Xavante, Ashaninkas, entre outras.
Desde que assumiram o espaço, os índios demandam do poder público a
revitalização do prédio para que possa se tornar o primeiro patrimônio
nacional gerido e administrado por indígenas. Eles passaram a receber
escolas, universidades, pesquisadores e simpatizantes e desenvolver
atividades culturais, educacionais e de línguas das diversas etnias
originárias de todo o território nacional.
Um dos projetos que chama a atenção de quem visita a Aldeia é a
proposta de mapear e se aprofundar na pesquisa das origens históricas de
cada comunidade. Os grupos se reúnem para estudar, traçar perfis
regionais, peculiaridades de costumes, troncos hereditários, etc. Faz
parte da preocupação dos Índios, além disso, pensar estratégias de
manutenção e preservação dos idiomas ameaçados de extinção (sendo alguns
já extintos), em especial, os que se dividem nos troncos linguísticos
macro-jê e tupi-guarani.
Dauá Puri, um dos indígenas idealizadores do projeto, relata que o
grupo de estudos já conta com mais de 40 pessoas que se empenham em
contextualizar a tradição com a atualidade “trata-se de uma luta de
defesa pelo patrimônio nacional que perdura mais de 400 anos. Queremos
conquista este direito da plena cidadania indígena no Rio de Janeiro”.
Nesse processo os interessados são acolhidas muito afetuosamente, “se
você quiser saber sobre as suas origens indígenas é orientado com
informações sobre as sociedades indígenas possíveis a partir dos dados
apresentados pela pessoa”, explica Dauá.
Além da pesquisa e mapeamento histórico, a intenção em fazer
conhecidos seus costumes tem a culminância na “contação de histórias”
nas tardes de sábado que se tornou um atrativo a mais para os
frequentadores do local.
A ideia de um espaço que priorize tais iniciativas é determinante para
que os indígenas encaminhem outros projetos como a utilização do prédio
para sediar uma universidade que intensifique esses estudos. E para isso
contam com o apoio da sociedade e do governo.
A proposta não pode ser interrompida
Segundo Artur Romeu, que acompanha o trabalho da aldeia, desde que
assumiram o espaço, os índios demandam do poder público a revitalização
do prédio, para que possa se tornar o primeiro patrimônio nacional
gerido e administrado por indígenas: “Eles passaram a receber escolas,
universidades, pesquisadores e simpatizantes e a desenvolver atividades
culturais, educacionais e de línguas das diversas etnias originárias de
todo o território nacional”.
Para Mariana Reis, educadora e simpatizante do movimento, a
legitimidade já é ganha a partir do momento que o espaço é um espaço
histórico: “uma intervenção deve ser feita no sentido de fazer ser
conhecido como espaço de patrimônio histórico”, enfatiza.
Ameaça gera Resistência
No último sábado, dia 12, por volta das 6h da manhã, os indígenas que
se encontram na Aldeia Maracanã, foram surpreendidos com a chegada da
tropa de choque da polícia militar no local com a ameaça de remoção dos
mesmos. Marcelo Freixo, deputado estadual e presidente da Comissão de
Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania, que acompanhava a situação,
conversou com o comandante do Batalhão de Choque perante uma iminente
invasão da Aldeia, assim como com os indígenas e simpatizantes da causa,
propondo calma de ambas as partes. Para Freixo, o patrimônio histórico
imaterial indígena deve ser valorizado e desabafa: “me diz um país que
se preparando para a Copa do Mundo venha a destruir um museu?”.
Para Julio Conhaque, membro da Secretaria Executiva Nacional da
CSP-Conlutas , o clima na Aldeia Maracanã é de resistência contra a
desocupação. Condaque explicou que o empresário Eike Batista, o Comitê
da Copa e o governo, estão com uma ação, que tramita há três anos, de
liberação do espaço para no lugar construir um estacionamento: “o Estado
decidiu alienar o espaço para outros fins, contrariando um processo dos
indígenas para o tombamento do local”.
Segundo Conhaque, 37 etnias construíram a Associação Indígena da
Aldeia Maracanã no antigo museu. Os integrantes dessa entidade criaram
esse status jurídico para que eles pudessem negociar com o governo a
posse do local para os indígenas. “A Ocupação serve como símbolo de
resistência dos índios e de luta de preservação de sua cultura e a
costumes”, salientou.
Sua presença é Força
A provável demolição do museu indígena não condiz com a lógica da
diversidade cultural que tanto se preza nos dias de hoje. Precisamos
voltar e reaprender o que foi esquecido. Reivindicar uma sociedade na
qual as potencialidades e possibilidades de se viver a vida são
respeitadas, compreendidas e legitimadas. Não é questão para sermos
imparciais.
Dauá acredita que ao mobilizar todas as pessoas entre apoiadores,
estudiosos, a se posicionarem em prol desta luta, já significa de certa
forma, o realizar desta utopia: “a presença de amigos fortalece nossa
causa e nos impulsiona a continuar acreditando”. Então, reflita e
aceite este convite. Sua participação é necessária e fará diferença.